segunda-feira, 8 de março de 2010

MINHA HOLLYWOOD


Ao visitar um shopping de minha região, recentemente , deparei-me com uma jovem atriz iniciante de nossa TV e que ainda está engatinhando no quintal da fama .Empertigada e de nariz empinado , passeava pelos corredores indiferente aos olhares dos admiradores e na garupa de dois fortes seguranças .Um espetáculo ridículo e antipático . Tão antipático e ridículo , que atirou-me de volta aos tempos de moleque quando , com 12 ou 13 anos , vivia com minha família no bairro da Bela Vista , em pleno centro de São Paulo . Morávamos numa ruazinha estreita e simpática ,a Jardim Heloisa ( que resistiu ao tempo ) que comportava apenas umas 40 casas erguidas em estilo normando . A nossa estampava o número 7 . Essa ruazinha fazia confluência com duas outras bem mais importantes : as Ruas Abolição e Major Diogo . Era a minha Hollywood onde , junto com a turminha de amigos , deparava-me a cada instante com os maiores nomes do nosso cinema e do nosso teatro . Uma penca de artistas renomados . Na Rua Abolição , por exemplo , num pequeno apartamento construído nos fundos de uma residência , moravam Cacilda Becker ( foto ) e Walmor Chagas . Pouco mais adiante, na travessinha Jardim Francisco Marcos , morava o inesquecível maestro Sylvio Mazzuca , sua mulher D. Filhinha e seu filho Francisquinho .Era em seu carro , quando lhe sobrava tempo , que íamos todos até Santos para um banho de mar . Duzentos metros acima , num enorme edifício acinzentado que fazia esquina com a Rua São Domingos , morava a grande Ruth de Souza . Mas era especialmente para a Rua Major Diogo que se dirigiam nossas maiores atenções . Era lá que se encontrava o Teatro Brasileiro de Comédia , TBC , o maior e mais importante cenário teatral do Brasil naquela época .À direita do teatro estava encravada a minúscula boite chamada "Nicky Bar" e , na calçada oposta , o barzinho simples onde os artistas papeavam e tomavam lanche . Era sentarmos alí para vermos desfilar á nossa frente gente como Ziembisky , Cacilda Becker , sua irmã Cleide Yaconis , Nidia Licia e Sérgio Cardoso , Walmor Chagas, Tônia Carrero , Alberto Ruschel , Paulo Autran ,Italo Rossi , Jardel Filho e muitos outros nomes importantes que compunham o elenco do TBC .Além deles , sempre presente e ao lado da mulher Araçary , um dos maiores cineastas que o Brasil já conheceu : o genial Lima Barreto . Tenho uma foto em que apareço com Alberto Ruschel, esperando a chegada das cabras cujo leite era vendido por um velho italiano . Foi ao lado de gente assim que crescí na minha pequena , querida e saudosa Hollywood . Todos esses artistas citados caminhavam tranquilamente pelas calçadas lendo seus scripts ou apenas passeando , divagando ou espairecendo . Sempre simpáticos . Sempre solícitos . Nenhum deles precisava de guarda-costas para se mostrarem importantes . Nenhum deles ignorava seus admiradores . Cacilda Becker , por exemplo, precisava descer a Jardim Heloisa para chegar ao seu apartamento . Quando eu a via despontar lá no alto da ladeira , onde se erguia o casarão de dona Sebastiana de Mello Freire ( Dona Yayá), corria até a porta de minha casa , arrumava o topete , compunha minha roupa e quando ela passava gaguejava com cortesia : "Boa tarde, dona Cacilda . Eu gosto muito da senhora" . Ela sorria , agradecia e acenava com dois dedos . Era o bastante para eu dormir feliz e orgulhoso . Belos tempos . Belas memórias , que começo a desenterrar agora por sugestão de meu amigo Eduardo Lunardelli .Com mais vagar , prometo contar qualquer dia desses uma passagem incrivelmente fantástica e emocionante , envolvendo o pessoal do TBC , Lima Barreto e um personagem inesquecível encarnado no corpo de um mendigo que todos passaram a conhecer um dia simplesmente como "Poeta" .

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse seu lado que não conheci! Muito bom ler essas histórias! Grandes tempos! Coitadinha da atriz de nariz empinado!

Respondi seu e-mail há dois dias, e pode ter extraviado e ido parar nos SPAN da caixa de mensagem! Me escreva dizendo e se não recebeu, volto a reescrever
.

Anônimo disse...

Waldo,

uma honra poder estar de alguma forma colaborando para que isso aconteça! Seus textos e depoimentos são importantissimos! Que venham mais!

Unknown disse...

Sr. Waldo, adorei, eu viajo com o seu texto, os artistas, as ruas do centro, que delícia, quero mais...abraços Elisa